segunda-feira, 7 de outubro de 2013

‘CORREDOR ALAGOAS VIVA’ RECUPERA RIQUEZAS DO FOLCLORE, COMO A ALEGRE CHEGANÇA PARA TODAS AS IDADES DE GIRAU DO PONCIANO

ALAGOAS BOREAL – Jorge Barboza

Projeto do Instituto Boibumbarte acontece às sextas-feiras, em municípios do interior;
Banco do Nordeste e BNDES patrocinam o evento


Fotos/ Jorge Barboza
Meninos, rapazes e senhores compõem
o tradicional folguedo apresentado em Arapiraca
  
Chamada para participar da terceira etapa do projeto “Corredor Cultural Alagoas Viva” – que realizou, nesta sexta-feira (4), em Arapiraca, uma série de apresentações folclóricas e musicais, envolvendo grupos e artistas de diversos municípios da região do Agreste –, a Chegança de Girau do Ponciano provou que o folclore vive no coração e nos pés de homens com mais de 70 anos de idade e de meninos que seguem a trilha dos avós, pais e tios. O grupo formado por 26 dançarinos e cantores, devidamente paramentados, vestidos de almirante, padre, cristãos e mouros, deram um show de tradição folclórica, na tenda acústica da Praça da Prefeitura, no centro de Arapiraca (município distante 129 km de Maceió). 

O secretário José Miguel da Silva Lima, da pasta da Cultura do município vizinho de Girau do Ponciano – distante 140 km da capital –, diz que a brincadeira da chegança ali é centenária. “Esse grupo que veio dançar em Arapiraca foi formado em 1950, mas a primeira formação foi de 1905. A chegança em Girau do Ponciano tem muito mais de cem anos”, contabilizou Lima, que diz participar do folguedo desde criança. “Mas hoje estou atuando como secretário”, emenda o gestor, de 45 anos, que haja vista não perdeu o manejo da dança. Acompanhou todo o desfile dos simpáticos senhores de Girau, e da meninada também, segurando o microfone para os cantores e os dois tocadores de pandeiro, todo mundo no mesmo embalo da festa – que normalmente dura uma noite inteira, mas, claro, na programação do “Alagoas Viva”, tinha hora contada: foram apenas 30 minutos de uma coreografia contagiante de passos para lá e passos para cá e de um enredo cantado em versos ancestrais de um navio perdido que chega enfim ao continente.
Secretário de Cultura de Girau do Ponciano José Miguel Lima
conduz a chegança do município,
nesta sexta-feira (6), em Arapiraca

Coisa mágica e antiga, cheia de poesia. Manoel Firmino, 72 anos, pai de José Miguel, é um dos tarimbados dançarinos da Chegança de Girau do Ponciano. “É uma história da Marinha. Foi um barco que se perdeu e os marinheiros fizeram promessa para chegar a terra. Quando finalmente, voltaram ao continente, fizeram uma festa para louvar a Deus. E foi assim que a promessa foi paga e nasceu a chegança”, explica, dizendo que aprendeu a brincadeira com o pai dele, José Firmino, “que morreu com mais de 80 anos dançando chegança”.

Manoel Firmino, aposentado da vida de agricultor, continua dando os detalhes do folguedo: “Cada um de nós tem uma função. É o padre, o almirante, o capitão, o tenente, os cães da Turquia”. Espere aí – cães da Turquia? “Eram os mouros, que eram pagãos e invadiram o reino de Portugal. Mas eles foram expulsos e ficaram conhecidos como os cães da Turquia.” São dois “cães da Turquia” na dança. Pura política: “Os mouros são de um partido; os cristãos do outro”.
As histórias cantadas na chegança
 remontam às tragédias das conquistas marítimas

A chegança  – que remonta às conquistas marítimas portuguesas e que é uma versão nordestina das mouriscadas na Europa – ficou uns 20 anos sem acontecer em Girau do Ponciano. Mas graças a deus o folclore está na veia desse povo. Os mais velhos morreram, o pessoal foi se cansando – a ordem natural das coisas. Sem dinheiro, como continuar? Arrumar tecido e costureira para fazer os uniformes, ensinar as crianças. Muita água rolou debaixo dessa ponte e eles estão aí de novo, arrastando os pés desde o ano passado. “Começamos a brincadeira sem ganhar dinheiro – para o folclore não cair”, resume Heleno Tonheiro da Silva, 73 anos, outro parceiro.

Tem uma senhora para organizar as cantigas e convocar a rapaziada para os ensaios: Maria José da Silva, 70, a cantoria na ponta da língua. “Eu conheço isso desde menina, eu que organizo tudo.”

E é tudo muito bem organizado e bem ensaiado – ali nos passinhos, pra trás e pra frente. E a corrente segue cantando em duas fileiras, passinho pra trás passinho pra frente. Uma beleza. “Aqui na praça, vamos apresentar somente a ‘jornada’. Todas as partes são muito compridas”, informa Manoel Firmino, avisando que as músicas estão de acordo com o que aconteceu na História. “Elas falam do passado, como é que foi. Isso nunca muda nem pode mudar. É um caso que aconteceu.”
Dona Maria José ajuda a coordenar
os trabalhos da Chegança de Girau do Ponciano


Os meninos aguardavam alegremente a hora de começar a função. Guilherme da Silva, 13 anos, é neto de Firmino. “Entrei faz pouco tempo.” José Wesley dos Santos, 13 anos também, outro parceiro. “Ainda não sei fazer tudo.” Mas muita coisa eles já sabem – passinho pra frente passinho pra trás. “Os meninos são os gajeiros”, explica Jamil Cavalcante, que ficou afastado da chegança por uma década. “Eu fiquei doente. Não estava podendo frequentar. Mas agora está todo mundo na ativa de novo.”


É a última das cheganças – onde mais em Alagoas? Que cheguem as crianças, e esses notáveis senhores cheguem aos 80, aos cem. Vida longa à Chegança de Girau do Ponciano.

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