ALAGOAS BOREAL – Jorge Barboza
Projeto do Instituto Boibumbarte acontece às sextas-feiras,
em municípios do interior;
Banco do Nordeste e BNDES patrocinam o evento
Banco do Nordeste e BNDES patrocinam o evento
Fotos/ Jorge Barboza Meninos, rapazes e senhores compõem o tradicional folguedo apresentado em Arapiraca |
Chamada para participar da terceira etapa do projeto
“Corredor Cultural Alagoas Viva” – que realizou, nesta sexta-feira (4), em
Arapiraca, uma série de apresentações folclóricas e musicais, envolvendo grupos
e artistas de diversos municípios da região do Agreste –, a Chegança de Girau
do Ponciano provou que o folclore vive no coração e nos pés de homens com mais
de 70 anos de idade e de meninos que seguem a trilha dos avós, pais e tios. O
grupo formado por 26 dançarinos e cantores, devidamente paramentados, vestidos
de almirante, padre, cristãos e mouros, deram um show de tradição folclórica,
na tenda acústica da Praça da Prefeitura, no centro de Arapiraca (município
distante 129 km de Maceió).
O secretário José Miguel da Silva Lima, da pasta da Cultura
do município vizinho de Girau do Ponciano – distante 140 km da capital –, diz
que a brincadeira da chegança ali é centenária. “Esse grupo que veio dançar em
Arapiraca foi formado em 1950, mas a primeira formação foi de 1905. A chegança
em Girau do Ponciano tem muito mais de cem anos”, contabilizou Lima, que diz
participar do folguedo desde criança. “Mas hoje estou atuando como secretário”,
emenda o gestor, de 45 anos, que haja vista não perdeu o manejo da dança.
Acompanhou todo o desfile dos simpáticos senhores de Girau, e da meninada
também, segurando o microfone para os cantores e os dois tocadores de pandeiro,
todo mundo no mesmo embalo da festa – que normalmente dura uma noite inteira,
mas, claro, na programação do “Alagoas Viva”, tinha hora contada: foram apenas
30 minutos de uma coreografia contagiante de passos para lá e passos para cá e
de um enredo cantado em versos ancestrais de um navio perdido que chega enfim
ao continente.
Secretário de Cultura de Girau do Ponciano José Miguel Lima conduz a chegança do município, nesta sexta-feira (6), em Arapiraca |
Coisa mágica e antiga, cheia de poesia. Manoel Firmino, 72
anos, pai de José Miguel, é um dos tarimbados dançarinos da Chegança de Girau
do Ponciano. “É uma história da Marinha. Foi um barco que se perdeu e os marinheiros
fizeram promessa para chegar a terra. Quando finalmente, voltaram ao
continente, fizeram uma festa para louvar a Deus. E foi assim que a promessa
foi paga e nasceu a chegança”, explica, dizendo que aprendeu a brincadeira com
o pai dele, José Firmino, “que morreu com mais de 80 anos dançando chegança”.
Manoel Firmino, aposentado da vida de agricultor, continua
dando os detalhes do folguedo: “Cada um de nós tem uma função. É o padre, o
almirante, o capitão, o tenente, os cães da Turquia”. Espere aí – cães da
Turquia? “Eram os mouros, que eram pagãos e invadiram o reino de Portugal. Mas
eles foram expulsos e ficaram conhecidos como os cães da Turquia.” São dois
“cães da Turquia” na dança. Pura política: “Os mouros são de um partido; os
cristãos do outro”.
As histórias cantadas na chegança remontam às tragédias das conquistas marítimas |
A chegança – que
remonta às conquistas marítimas portuguesas e que é uma versão nordestina das
mouriscadas na Europa – ficou uns 20 anos sem acontecer em Girau do Ponciano.
Mas graças a deus o folclore está na veia desse povo. Os mais velhos morreram,
o pessoal foi se cansando – a ordem natural das coisas. Sem dinheiro, como
continuar? Arrumar tecido e costureira para fazer os uniformes, ensinar as
crianças. Muita água rolou debaixo dessa ponte e eles estão aí de novo,
arrastando os pés desde o ano passado. “Começamos a brincadeira sem ganhar
dinheiro – para o folclore não cair”, resume Heleno Tonheiro da Silva, 73 anos,
outro parceiro.
Tem uma senhora para organizar as cantigas e convocar a
rapaziada para os ensaios: Maria José da Silva, 70, a cantoria na ponta da
língua. “Eu conheço isso desde menina, eu que organizo tudo.”
E é tudo muito bem organizado e bem ensaiado – ali nos
passinhos, pra trás e pra frente. E a corrente segue cantando em duas fileiras,
passinho pra trás passinho pra frente. Uma beleza. “Aqui na praça, vamos
apresentar somente a ‘jornada’. Todas as partes são muito compridas”, informa
Manoel Firmino, avisando que as músicas estão de acordo com o que aconteceu na
História. “Elas falam do passado, como é que foi. Isso nunca muda nem pode
mudar. É um caso que aconteceu.”
Dona Maria José ajuda a coordenar os trabalhos da Chegança de Girau do Ponciano |
Os meninos aguardavam alegremente a hora de começar a
função. Guilherme da Silva, 13 anos, é neto de Firmino. “Entrei faz pouco
tempo.” José Wesley dos Santos, 13 anos também, outro parceiro. “Ainda não sei
fazer tudo.” Mas muita coisa eles já sabem – passinho pra frente passinho pra
trás. “Os meninos são os gajeiros”, explica Jamil Cavalcante, que ficou
afastado da chegança por uma década. “Eu fiquei doente. Não estava podendo
frequentar. Mas agora está todo mundo na ativa de novo.”
É a última das cheganças – onde mais em Alagoas? Que cheguem
as crianças, e esses notáveis senhores cheguem aos 80, aos cem. Vida longa à
Chegança de Girau do Ponciano.
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